quarta-feira, 15 de junho de 2011

NÃO FIQUE PRESO A IDÉIAS

O Faisão


Muitos de nós ao ler ou ouvir uma palestra que nos inspira acreditamos que aquilo é averdade suprema e nos agarramos àquela visão ou noção. Ficamos presos a palavras ou idéias e esquecemos que o fundamental é colocá-las na nossa vida, na prática.
No sutra das cem parábolas, o Buda conta uma história sobre palavras e conceitos. Um homem tolo ficou doente e quando o médico veio vê-lo, ele disse que apenas faisão poderia curar sua doença. Depois que o médico saiu, o paciente repetiu a palavra “faisão” por horas e horas e dia após dia. Meses se passaram, mas ele ainda não tinha ficado curado. Um dia, um amigo veio visitá-lo e ouvindo o homem repetir a palavra “faisão” repetidas vezes, perguntou a ele o porquê.



O homem doente disse ao amigo o que o médico tinha dito e, com pena dele, seu amigo pegou um lápis e desenhou um faisão. Ele mostrou ao homem tolo e lhe disse, “É com isto que um faisão se parece. Você tem que comer isto se quiser curar sua doença. Apenas repetir a palavra ‘faisão’ não é suficiente”.



Assim que o amigo saiu, o homem tolo colocou o desenho do faisão na sua boca, mastigou e engoliu. Por não conseguir um bom resultado com isso, ele contratou um artista que desenhou centenas de outros faisões e ele mastigou e engoliu todos eles. Mas sua doença apenas piorava e finalmente ele entrou em contato com o médico novamente.



Quando o médico viu o que havia acontecido, ficou com muita pena. Ele pegou a mão do homem tolo e foi com ele no mercado. Lá compraram dois faisões, ele acompanhou o homem até a sua casa, o ajudou a preparar a refeição e pediu ao homem para comer na sua frente. Depois disso o homem tolo ficou curado.



Quando ouvimos esta história podemos pensar como o homem era incrivelmente estúpido. Mas quando olhamos com maior profundidade, podemos ver que nós mesmos não somos muito melhores. Como nos falta inteligência e habilidade, estudamos o Dharma e o discutimos por diversão ou simplesmente para nos exibirmos. Não estamos determinados o suficiente para nos libertarmos dos nossos sofrimentos mais profundos. Permanecemos apegados a palavras e idéias, tanto nos nossos estudos quanto na nossa prática. Pode também faltar inteligência e habilidade na maneira como contamos nossas respirações, praticamos a meditação da bondade amorosa ou recitamos mantras. Podemos ficar presos na forma. Não é fácil fazer surgir entendimento desperto.



Os ensinamentos do Buda não nos são oferecidos como visões ou noções para nos agarrarmos, mas como instrumentos de prática. Se ficarmos presos em visões e noções perderemos os verdadeiros ensinamentos. O Sutra “Conhecendo a melhor maneira de segurar uma cobra” (*) é um tipo de sino de plena consciência. Ele nos lembra de sermos cuidadosos, atentos e abertos ao recebermos os ensinamentos do Buda, entendendo-os de forma que possamos fazer uso deles de forma a nos transformar e nos ajudar a ter mais paz, iluminação e liberdade.



Praticamos para ter alegria e felicidade. Praticamos para trazer alívio para uma situação difícil. E quando a plena consciência é poderosa o suficiente, nossa concentração será significativa e poderá nos ajudar a ter insight, entendimento e sabedoria que podem nos libertar da dor, lamento e medo. O propósito último da prática budista é ganhar insight de forma a ter libertação das nossas aflições – nosso medo, raiva, desejo e desespero. Trazer alívio é bom, sofremos menos, mas o problema ainda permanece.



Apenas quando temos insight poderemos verdadeiramente ser libertados. No budismo falamos de emancipação ou salvação através do insight, não por graça, apesar de o insight ser uma espécie de graça. Na aparência parece ser algo contraditório, mas se olharmos em profundidade, veremos que o insight é um tipo de graça – o maior tipo de graça, porque nos ajuda a nos libertar. O Buda disse que se não formos atentos, se não trouxermos todo o nosso coração e mente, todo o nosso ser para o estudo dos sutras e escuta do Dharma, poderemos entendê-los de uma maneira errada. A libertação só é possível quando somos capazes de corrigir nossas impressões.

Ensinamentos, idéias são como um fósforo. O fósforo gera a chama, que é o insight. Um ensinamento, uma noção, não é insight. Mas se praticarmos, podemos produzir o insight vivo, a sabedoria viva. Muitos de nós, incluindo muitos estudiosos budistas ficam presos a palavras e conceitos. Apegamos-nos a palavras, doutrinas, ensinamentos e não somos livres, nos tornamos dogmáticos. Mas uma vez que temos insight, ele queima nossas idéias e noções, assim como a chama queima o fósforo que lhe deu vida.



Nunca deveríamos considerar qualquer ensinamento ou ideologia como a verdade absoluta, são apenas meios de ganhar insight. Não deveríamos matar ou ser mortos por causa de uma idéia. Se nos tornamos dogmáticos, poderemos nos tornar ditadores, querendo que todos aceitem o que dizemos, acreditamos que temos a verdade e quem não concorda conosco é nosso inimigo.



Isto cria mais guerra, conflito e discriminação. A maioria das guerras nasceu do fanatismo a religiões ou ideologias. Este ensinamento do Buda - desapego a visões - é uma prática profunda de paz. Nós estamos prontos para soltar nossa visão de forma a ganhar insight. Este também é o espírito da ciência. Se um cientista fica preso a uma descoberta e pensa que é a verdade absoluta, não tem esperança de achar algo mais profundo, algo superior. Temos que queimar todas as noções para que o insight fique presente. Um verdadeiro praticante nunca é dogmático, nunca se apega a idéias e noções, mas faz uso delas para produzir insights, a visão correta.



O sutra “Conhecendo a melhor maneira de segurar uma cobra” nos lembra que práticas como os Três Selos do Dharma – impermanência, não-eu e nirvana – são úteis, com a condição que você saiba como aprendê-las. Caso contrário, estas noções se tornam muito perigosas e uma vez que você é capturado por elas, é muito difícil sair. Há muitos budistas que estão presos a idéias, palavras e conceitos. Eles perderam o budismo, apesar de se dizerem verdadeiros budistas. Este sutra é um grande sino de plena consciência para todos nós, nos lembrando para termos cuidado, sermos abertos e não sermos dogmáticos e com a mente estreita de forma de termos uma chance de entender e receber o verdadeiro ensinamento do Buda.



Os ensinamentos da impermanência, não-eu e nirvana são comuns a todas as escolas de budismo. Estes ensinamentos são suficientemente profundos. Se praticarmos inteligentemente, poderemos usar estas noções para ganhar o insight que precisamos. Penso que este é o grande presente do Buda. Ser capaz de receber ou não depende de cada um de nós.



Budismo não é uma filosofia ou uma descrição da realidade. Budismo é apenas um conjunto de dispositivos, meios hábeis que nos ajudam a praticar e ganhar o insight que precisamos para nossa libertação e para nos soltar de nossas aflições. Se pudermos ajeitar nossa vida para ficaremos menos ocupados, teremos uma chance maior de aprofundarmos nosso entendimento do Dharma e o colocar em prática.



No budismo dizemos: a libertação é possível através do insight. Impermanência, não-eu e nirvana são como ferramentas nos dadas para limparmos o terreno e plantar a vegetação. A ferramenta não é para ser colocada no altar para adoração, tem que ser usada. O sutra “Conhecendo a melhor maneira de segurar uma cobra” é um lembrete gentil, mas efetivo que os ensinamentos do Buda são ferramentas maravilhosas para nos ajudar a nos trazer mais fundo no coração da realidade.



(Do livro “Thundering Silence”– Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

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