quarta-feira, 13 de abril de 2011



O bem e o mal
Após compreendermos que existe um potencial imenso e inexplorado dentro de cada um de nós, surge a necessidade de começarmos a diagnosticar o que precisa ser trabalhado, polido, melhorado. Não se trata, como costuma-se pensar, de encontrar quais são nossas virtudes e quais são nossos defeitos, já que essa é uma visão muito superficial de nossas características. Quando pensamos em defeitos e virtudes, pensamos em coisas que sempre são ruins e outras que sempre são boas e isso é uma fantasia, uma forma sutil de autoengano. Mas para entender esse conceito, primeiro precisamos entender o que é o bem e o que é o mal.
Toda experiência que passamos nos traz sensações e percepções que, por último, se transformam em conceitos. Então, por exemplo, se comemos uma boa comida em um restaurante, dizemos que a comida de lá é boa; se uma pessoa é mordida por um cachorro, passa a qualificar os cães como perigosos e cria aversão a eles; se conhecemos alguém de uma nacionalidade, etnia, religião ou até mesmo um torcedor de um time de futebol que tenha uma característica peculiar, logo atribuímos a característica a todo o grupo, seja boa ou ruim. O que queremos dizer é que nosso cérebro tem por costume simplificar as experiências passadas para armazená-las na memória sob a forma de um rótulo, e a partir de então, não recordamos da experiência em si, com sua diversidade de sabores. É por isso que comumente, quando duas pessoas brigam, elas passam a recordar apenas das coisas ruins que o outro fez ou quando temos saudade de alguém, só nos lembramos dos momentos agradáveis.
O bem e o mal entram nesse mesmo rol de experiências simplificadas, ou seja, são conceitos que tentam resumir nossas experiências. Não podemos pensar que algo é sempre bom ou sempre mau, porque conforme o momento e a necessidade, são úteis ou inúteis, adequados ou não. Como dizia um grande mestre gnóstico, chamado Samael Aun Weor: “Bom é tudo que está no seu lugar; mau é tudo que está fora do lugar”. As coisas, quando são adequadas, tornam-se boas, como o fogo que prepara o alimento ou esquenta a casa em um dia de frio; já quando estão fora de lugar, tornam-se prejudiciais, como o mesmo fogo queimando uma floresta ou o calor em dia excessivamente quente.
O erro está em considerar as coisas ou as pessoas boas ou más, como se fosse um atributo delas e não da circunstância. Como nos dizem as tradições orientais, as coisas em si são vazias de atributos e somos nós que depositamos essas características nelas. No exemplo anteriormente citado, podemos dizer que o fogo em si é bom ou mau? E da mesma forma como estamos falando que nada em si carrega esses atributos, não podemos pensar que em nosso universo interior seria diferente.
Não quero dizer que não existam defeitos nem virtudes, mas quero neste momento evidenciar um uso inadequado destes termos. Geralmente atribuímos o rótulo de “defeito” ou “virtude” a características, como se elas em si mesmas fossem boas ou ruins. Por exemplo, crer que a paciência, a simplicidade e a sinceridade sempre são virtudes é desconsiderar que em muitas situações estas três se transformam em grandes empecilhos ao desenvolvimento do indivíduo. Um sujeito extremamente paciente pode acabar perdendo o momento propício à ação; o que seja simples, pode fechar os olhos para as coisas que necessitem de uma análise mais profunda e aquele que sempre falar a verdade criará situações desagradáveis no  convívio com outras pessoas. Imaginemos um rapaz indo na casa dos pais de sua namorada pela primeira vez para jantar e ao ser servido, a mãe da menina pergunta se a comida está gostosa. Caso o rapaz não goste daquele prato ou ache que a comida “deixa a desejar” e resolvesse falar o que pensa, seria extremamente desagradável e desrespeitoso, não é verdade? O mínimo que se pode fazer em tal situação é preferir expressar a gentileza do que a sinceridade.
Quando olhamos para dentro devemos aprender a ver características que, ao ser aperfeiçoadas, se tornarão em virtudes. A característica, em sua forma crua, desprovida de treinamento, é tão somente uma característica, que a pessoa expressa quando é o momento certo e quando é o momento errado. Uma pessoa calada, por exemplo, se cala no momento que deve calar e também no momento em que deve falar. Como podemos pensar que isso é uma virtude ou um defeito, se produz resultados de acordo com o que a vida lhe proporciona e não de acordo com o que ela quer conseguir?
Para que uma característica se transforme em virtude, é necessário treinamento. E o treinamento é no sentido de aprender a usar e aprender a não usar a característica. Só quando pudermos dispor de algo é que podemos considerar que adquirimos uma virtude e esta não se encontra na característica, mas na capacidade de utilizá-la de forma útil.
Da mesma forma são os defeitos. Podemos dizer que não são as características em si que são defeitos, mas sim a forma doentia com que aplicamos um determinado padrão de comportamento. E ainda que ocasionalmente essa forma obcecada produza resultados positivos, igualmente é um defeito, porque faz mal à pessoa, a torna cega e inflexível. Vejam que não é a característica que é o defeito em si, mas a forma como não sabemos lidar com aquele impulso, convertendo-o em uma obsessão.
Portanto, a real virtude é aprender a manejar e dispor de nossas características, com discernimento e lucidez, aplicando cada uma no momento adequado. E defeito é tornar qualquer padrão inflexível e doentio (que é basicamente a forma como lidamos com todas as nossas características). Sobre isso vamos analisar em outros artigos porém, em síntese, a solução é compreender as palavras do mestre gnóstico Samael Aun Weor, quando diz que “o homem pode estar em tudo, sem ser vítima de nada”. Aquele que realizar essa frase, desenvolverá o poder da virtude.

O nosso ponto de partida

Para transformarmos o que somos (ou melhor, o que achamos que somos) existem muitos pontos a serem refletidos, como a motivação, o ritmo de trabalho e a metodologia que vamos adotar. Exatamente como qualquer outro empreendimento. Existe uma finalidade, um objetivo a ser alcançado e uma motivação que sustenta essa busca. É comum que as pessoas confundam o “aprender a viver o momento” sem criar espectativas (que é algo a ser conquistado) com viver sem objetivos a serem alcançados, o que seria algo prejudicial em nosso próprio caminho, pois, como diz o I Ching (um dos livros sagrados dos chineses) em quase todos os seus aforismos: “É favorável ter onde ir”. Quem caminha sem rumo desanima e tanto faz o lugar em que chegou. Quando uma pessoa está comprometida com o seu aperfeiçoamento interior, precisa assumir o risco desse empreendimento e utilizar todas as ferramentas possíveis para alcançá-lo, mesmo que mais adiante essas mesmas ferramentas terão que ser descartadas, porque já começam a atrapalhar. Mas no início, são fundamentais.
Na natureza tudo tem seu oposto, porém o caminho da Sabedoria é encontrar o ponto de equilíbrio entre todas as coisas
Muitas escolas de autoconhecimento enfatizam a importância de adquirir determinadas características, como se fossem virtudes próprias de quem está avançando nesse caminho. Só que nessa abordagem, algumas pessoas aparentemente saem com uma certa “vantagem”, porque já possuem aquelas características. Por exemplo, muitas escolas enfatizam a disciplina como um elemento extremamente favorável para o desenvolvimento interior. Ou seja, elevam a característica da disciplina ao status de “virtude da disciplina”. E existem pessoas que tem uma facilidade, de seguir algo a que se determinaram, mas isso não significa que estão melhores que as demais, já que os seus problemas repousam em outras áreas, como por exemplo a flexibilidade e a adaptabilidade, que são características opostas à disciplina.
A natureza humana se compõe de características complementares, que no geral são inversamente proporcionais entre si. Isso significa dizer que o que temos em abundância de um lado produz uma carência do outro. É como se tivéssemos uma corda que precisa ser engatada em dois ganchos, em cantos opostos da sala; só que a corda é curta e só temos como engatar em um lado. Esse é o padrão inicial que temos, a nossa “configuração de fábrica”; daí pra frente, temos que aprender a desengatar a corda de um lado e engatar no outro, sempre que for preciso.
Por exemplo, as pessoas que são criativas, geralmente tem grandes dificuldades com a disciplina. Quanto mais criativo, mais desorganizado se é. É quase uma regra geral (salvo as pessoas que aprenderam a equilibrar isso). E o mesmo se aplica a quem é disciplinado, cumpridor de seus deveres e organizado. São pessoas que, se as coisas fugirem do “script”, ficam perdidas, porque não sabem improvisar. Da mesma forma vamos encontrar os indivíduos mais instrospectivos, que tem grandes dificuldades de se relacionar com o mundo. Já os extrovertidos, tem grande dificuldade de ficar a sós consigo mesmos e por isso estão sempre procurando alguma coisa pra fazer, a fim de não dar espaço para olhar para dentro. Quem é inseguro, tem dificuldade de tomar uma decisão rápida; quem é impulsivo, tem dificuldade de medir os riscos; quem é muito sorridente e otimista tem dificuldade de olhar para o lado ruim das coisas; quem é mais “pé-no-chão” e sóbrio, tem grande dificuldade de olhar as coisas de uma perspectiva mais leve. Quem é ansioso, não consegue relaxar; quem é demasiadamente descansado, não consegue fazer as coisas acontecerem… e assim por diante.
Como dizer que alguma destas características citadas nos deixa em maior vantagem que o seu complemento? Na verdade, precisamos de todas elas, para utilizar cada uma no momento que for adequado. Essa capacidade de dispor ou não de uma característica, conforme havíamos falado antes, é o que chamamos de “virtude”. Enquanto não temos essa habilidade, não possuímos virtudes e sim um monte de coisas que estão sobrando e outras tantas que estão faltando.
Agora imaginem uma pessoa que tem uma característica que é exaltada dentro de uma ideologia. É inevitável ela olhar pra si e pensar que então ela está muito bem. E nessas condições, acaba ficando cega pra tudo que ela não tem, porque essas coisas parecem ser menos importantes que aquilo que ela já possui. Por isso, não é adequado falarmos de características que serão úteis, pois ao seu tempo, no local e momento apropriado, todas serão úteis.
Se o ponto de partida depende de onde estamos, mesmo que o ponto de chegada seja o mesmo para todos, o caminho já não é o mesmo
Então, o mais importante é não ter características tão marcantes e sim conseguir equilibrá-las com as características complementares. Como escreveu Confúcio: “O homem que transformar seus pontos fracos em pontos fortes se tornará invencível.” Porém como fortalecer um ponto fraco, se o ponto forte não deixa aquilo crescer, já que estamos falando de coisas opostas? Matematicamente, se temos um conjunto de 100% (que no nosso caso, é a soma de duas características complementares), como aumentar um lado sem tirar do outro? Não podemos aumentar o que está em 15% e passá-lo para 50% sem reduzir o que era 85% para 50%. Mas e como isso se aplica na prática?
Uma das técnicas para chegar a esse resultado é o que chamamos detransvalorização, ou seja, a mudança dos valores. Obviamente, este é um assunto que merece um estudo detalhado e então será estudado na sequência, através de vários artigos, pois ainda estamos “introduzindo” o assunto do autoconhecimento. Mas, em síntese, aplicamos a transvalorização quando aprendemos a tirar um pouco do valor no que temos sobrando e começamos a aplicar naquilo que nos falta. Ou seja, trata-se de um processo de reeducação, que começa através da conscientização da necessidade de mudar, que vai sendo nutrida diariamente, para que não definhe e volte ao padrão anterior.
Essa reeducação, quando aliada a técnicas como a reflexão, a reconstrução de situações vividas e a visualização de uma nova postura frente a essas situações, vai gerando uma alteração de nossas sinapses, fazendo com que o padrão anterior perca um pouco da sua postura inflexível e vá abrindo espaço para o desenvolvimento de sua característica complementar, até o ponto em que podemos optar qual atitude tomar em cada situação, por não estarmos mais condicionados a ter que agir segundo um padrão pré-estabelecido dentro de nós.
Agora, pensemos: antes de fazer essa reeducação, quem pode afirmar que exerce o seu livre-arbítrio? Enquanto estivermos presos a uma característica, somos vítimas dela.
Para concluir, vamos voltar à questão proposta no início. Qual é o nosso ponto de partida? O que temos que mudar? Qual é o caminho a seguir? Você não pode ter essas respostas sem primeiro saber onde você está. Por exemplo, se uma pessoa disser que o caminho para chegar a Curitiba é ir sempre em direção ao nascer do sol, vai ser bem difícil que alguém que esteja em Florianópolis consiga chegar nesse local, não é mesmo? Portanto, não pensemos que o autoconhecimento é uma sequência de ações matemáticas, como quem faz um bolo seguindo uma receita. É um caminho onde só se conhece o passo seguinte entendendo em que posição estamos e onde queremos chegar.
Fonte: site Revolução Interior

Nenhum comentário:

Postar um comentário